Álibi – ainda sobre os 33 estupradores e sobre homens que não se importam
Hoje, em um ruído crescente, a rede, ontem uníssona em se chocar com o estupro coletivo de uma garota de 16 anos, começa a ser ocupada por dois abjetos discursos: culpabilização da vítima e minimização do problema.
Primeiro, a culpabilização da vítima.
Já circulam as teses “explicativas” sobre o porquê de ter acontecido. Envolvimento da jovem com o Comando Vermelho, consentimento em ir ao local e a permanência neste a despeito de dar de cara com 30 homens são algumas das suposições que estão levando pessoas a pensar que, quem sabe, tudo não passou de uma merecida lição.
No subtexto dessas explicações, a estuprada passa de vítima a condenada. Metida no crime, esperava o quê? Foi porque quis ir, dali em diante, sorte lançada. Erro dela não entender que, nesse mundo, uma pessoa, se do gênero feminino, corre risco por dividir espaço com outras 30 pessoas, se estas forem do gênero masculino. Dito de outra forma, é ela a que coloca em risco a sociedade. Afinal, tudo caminharia bem, talvez até nenhum dos 33 estupradores fosse hoje um estuprador, não tivesse ela violado tantas normas culturais que qualquer menina devia conhecer.
Segundo, a minimização do problema.
Há quem desconfie que houve consentimento dela com o ato. O ato que deixou seu corpo destroçado, sangrando e inerte, enquanto era virada como um animal abatido pelos, ahn… “parceiros”? Nessa linha, o Delegado do caso perguntou à jovem se ela tinha “hábito de participar de sexo em grupo”. Sexo. A sugestão é de uma farra que fugiu um pouco ao controle, mas vá lá, “quem nunca”? Tá na chuva é pra se molhar.
Pra alguns, ser penetrada desacordada não é lá uma violência tão séria. Dormiu, acordou… que bênção, não vai lembrar dos detalhes.
Esses dois comportamentos têm em comum serem uma resposta defensiva ao trauma coletivo. Houve uma brutalidade sem tamanho. Qual reação tem lugar?
Muitas mulheres querem discutir a “cultura do estupro”, fazer ver que na raiz do ocorrido está o fato de a sociedade tratar os corpos das mulheres como objeto apropriáveis pelos homens caso não respeitadas as tais regras de comportamento com as quais as meninas são domesticadas.
Mas muitos homens, em lugar de refletir sobre essa violência de gênero enraizada no cotidiano, acham mais fácil forjar o álibi. Se a culpa é da vítima, se o caso é um ponto fora da curva ou, quem sabe, se foi mesmo alarde demais em torno de uma orgia desastrada… fica mais fácil pro cara ignorar que contribui pra cultura do estupro. Ignorar que contribui com cada piada machista. Com cada conversa de bar sobre a mina fácil que não vale nada. Com cada puxão de cabelo na balada. Com cada definição sobre como tratar uma mulher a partir de como ela se veste, fala e se comporta. Ou, mesmo, com cada vez que, vendo os amigos fazerem tudo isso, ele silencia.
Basta ao homem, então, dizer “eu não tenho nada com isso, eu nunca estupraria ninguém”. Álibi construído, vida que segue, hora de deitar e dormir o sono dos justos.
Desejo, todavia, que as perguntas da Paula Bernardelli atormentem os sonhos de quem escolheu o álibi.
Pode contar comigo pra não dar sossego.
Cresceu ouvindo que era uma menina "cheia de opinião", teimosa, atrevida e inconformada. Um dia, entendeu que esses eram seus melhores atributos pra ser uma mulher capaz de fincar pé nesse mundo de homens. Por isso, escreve.