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As Princesas Leias que me perdoem, mas Almirantes Holdos são fundamentais – ou, porque o episódio VIII é o meu filme favorito da saga Star Wars

Publicado por:
Paula Bernardelli
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[contém spoilers, em verdade o texto é só spoiler, se você ainda não viu o episódio VIII e pretende ver, nem continue, vai rolar spoiler]

 

Eu me apaixonei por Star Wars quando já era adulta. Até vi os filmes na infância, mas eu era pequena demais. Fui rever aos 20 e tantos e me apaixonei perdidamente. Vi e revi os filmes nas diferentes ordens, fui na pré-estreia do episódio VII e aguardei ansiosa pelo VIII. E o VIII veio, e veio lindo, veio pra confirmar minha paixão tardia, porém intensa.

 

Os mais chegados na saga sabem que muita coisa mudou no mundo de Star Wars desde 2012, a Lucasfilm, responsável pela produção de todos os filmes foi comprada pela Disney, George Lucas, grande criador da série, se afastou voluntariamente da presidência e sua sucessora foi Kathleen Kennedy, consequentemente, produtora executiva dos dois últimos episódios.

 

Ter uma mulher na presidência, tomando as decisões, atuando diretamente na construção criativa da obra faz diferença? Eu acho que faz, e Kathleen Kennedy acha também. Em 2015 ela deu uma entrevista falando que “O equilíbrio entre homens e mulheres na sala de trabalho muda as coisas. Diálogos, pontos de vista…”, a vontade manifesta de ter uma mulher dirigindo um dos filmes não foi concretizada, mas é fato que sob o comando de Kathleen, as coisas ganharam uma nova cara.

 

[Eu avisei do spoiler? Porque vai começar agora]

 

Boa parte dos significados dos filmes é a gente que inventa, fato. Assim, é bastante óbvio que tudo que eu senti e interpretei do filme passa pelo filtro da minha visão de mundo, das minhas leituras, da minha experiência. Mas considerando a declaração da produtora executiva que coloquei ali, talvez as coisas que eu extraí do filme não tenham sido tão acidentais assim.

 

Esse foi o primeiro filme da série que me deixou pensando em muitas coisas, não em como seria a continuação da história ou teorias sobre os personagens, mas sobre a vida, nossa vida e suas dinâmicas.

 

O filme trabalha o fim do maniqueísmo que marca todos os outros, encerra o arco do herói de Luke e apresenta novos personagens para aquele universo, que mostram de forma mais clara que a divisão entre os bem e o mal é, talvez, mais confusa do que parece.

 

Isso aparece também nos outros, Anakin, por exemplo, nunca foi obstinado a ser mau, nunca foi decididamente mau, mas Kylo Ren carrega uma humanidade mais evidente, mostra que o lado negro atrai mais pelas incertezas e inseguranças que pela maldade. A narrativa do filme se constrói de forma mais clara considerando essa ausência de obstinação.

 

Também fica marcada a quebra dessa divisão entre mocinhos e vilões com a introdução – que talvez tenha ficado um tanto estranha no filme, concordo – de personagens que não estão de lado nenhum, estão lucrando com essa guerra e vivendo suas vidas com outros problemas e outras batalhas.

 

Mas quero falar daquilo que (me) importa, daquilo que roubou de vez meu coração.

 

A desconstrução do mito do herói, a arrogância masculina, o protagonismo feminino e a heroína sem mestre

 

Luke sempre foi o herói da saga Star Wars. O arco do herói é completo na história dele, e justamente por isso, Luke se transforma numa lenda. Para a narrativa e para os fãs da saga.

É peculiar observar isso, como mesmo para nós, que acompanhamos a história por diferentes perspectivas e que sabemos que Luke nunca foi tão incrível assim – ele sempre foi esse cara balbuciante e inseguro que vimos no último filme – Luke era uma lenda.

Essa ideia se construiu de forma tão firme no imaginário dos fãs que, por algum motivo que me escapa, esperavam que 30 anos depois Luke fosse um cara muito mais confiante, decidido e espetacular do que foi a vida inteira.

A decepção vem quando nos deparamos com um Luke ainda mais inseguro, solitário, que embora tenha enfrentado com sucesso alguns elementos do lado negro algumas vezes, morre de medo. É frustrado, traumatizado, perdeu gente demais para o lado negro, mas seu maior medo, claramente, é se perder.

A desconstrução do mito do herói – que permeia toda a narrativa do filme –começa justamente aí, mostrando um herói frágil e, em algumas cenas, quase patético.

“Conheço apenas uma verdade: Está na hora dos Jedi acabarem.” – Luke

O filme também mostra que boa parte da insegurança de Luke vem de seu próprio apego à sua imagem de herói e de uma certa arrogância que vem disso. Aliás, a crítica à arrogância dos heróis clássicos permeia todo o filme.

Os heróis desse filme não são os homens, pela primeira vez, o filme conta a história do discurso que nos apresenta: precisamos desapegar dos símbolos de heróis clássicos, colocando ainda que é uma arrogância acreditar que se esses símbolos acabarem os Jedis desaparecem.

 

 

Luke acreditava que precisava ensinar Rey, que se ele não ensinasse os Jedis acabariam. Ao mesmo tempo se sentia frustrado por não ser o herói que as pessoas acreditam. Queria que as pessoas desapegassem da imagem da lenda, mas não conseguia ele mesmo se desapegar.

Ainda mantinha a arrogância de acreditar que ele era o último Jedi possível, sem ele seria impossível formar novos Jedis.

O retorno de Yoda para explicar ao Luke que 1) ele não precisa ensinar nada para Rey, porque ela não precisa dele para ser uma Jedi, e 2) se ele quiser ensinar algo, que fale com ela sobre todas as vezes que ele falhou e não sobre suas vitórias, deixa isso bastante claro.

Yoda basicamente olha para tudo aquilo que Luke acreditava  ser essencial para a construção de um jedi e, enquanto toda essa simbologia pega fogo, questiona “você acha mesmo que essa mulher não sabe essas coisas que estão aí?”

 Quando Luke desapega da necessidade de se mostrar como o Jedi mais incrível e essencial, ele se torna parte do todo, se torna um igual. Luke se une à força, passa a ser parte daquilo que move a galáxia na direção que ele acredita que a galáxia deve ir.  A força, este elemento que permeia tudo, não pode pertencer a ninguém.

 

“A Força não pertence aos Jedi. Dizer que um Jedi morre, a Força morre, é vaidade.” – Luke

 

Luke percebe que desapegar do símbolo do herói não é se tornar um inútil (em verdade, ele já se sentia inútil e repetindo que heróis não servem para nada), mas sim lidar bem com o fato de que ele não é um ser superior, de que ele é um igual, de que está tudo bem não ser esse herói que os outros esperam. E com isso, com a desconstrução de uma imagem de heroísmo tóxico que fazia com que ele se sentisse permanentemente frustrado e incapaz, Luke se vê como parte do todo e se torna a força.

 

“A rebelião renasce hoje. A guerra está apenas começando e eu não serei o último Jedi.” – Luke

 

A ideia de que o fracasso também ensina é contada de diversas maneiras durante a história – os homens fracassam várias vezes em função da sua arrogância, por estarem presos na figura do herói.

Poe é um personagem heroico clássico: rebelde, prepotente, destemido e insubordinado. Ele tem sempre uma ideia que destoa da ordem passada por sua capitã. Em narrativas clássicas seria ele o salvador de tudo, com sua ideia não ouvida por uma líder dura e intransigente. Nesse filme não.

A incapacidade de Poe em se submeter às ordens de sua superior o coloca em problemas maiores e dificulta ainda mais os planos em curso.

No final, todos estão na caverna, precisam achar uma saída, Poe da uma ordem para ser seguido, porque sente que pode dar essa ordem, mesmo com Leia (uma superior hierárquica) presente. Imediatamente todos olham pra Leia.

O fracasso dessas questões todas que foram decididas por esse exemplo de herói clássico ensinou aquelas pessoas a ouvir outras líderes.

 

Almirante Holdo e a desestabilização da ordem

 

Amilyn Holdo é uma personagem feminina de Star Wars que destoa da demais.

Pra começo de conversa, Holdo não existe numa lógica de feminilidade masculina. Não está ali para isso.

Leia aparece em todos os filmes como a princesa sozinha em meio a tantos homens, uma personagem obviamente forte e relevante, mas ainda interagindo primordialmente com homens, Leia é uma “abelha rainha” numa equipe masculina, se esforçando para ser uma heroína e, de alguma forma, se igualar aos homens do grupo.

Holdo não. Holdo, até mesmo na visão de Leia “se importava mais em proteger a luz do que parecer uma heroína”.

O filme não menciona, mas alguns materiais sobre a saga tratam inclusive da sexualidade da Almirante, trazendo ela como a primeira mulher LGBT da saga.

Holdo não tenta convencer os homens da série de sua força e claramente não busca a aprovação dessas figuras masculinas, com sua equipe majoritariamente feminina ela traça um plano e assume o comando quando precisa assumir e precisa lidar, ainda, com a arrogância e insubordinação de Poe.

 

 

A importância de ter uma personagem feminina que não age dentro de uma lógica masculina, aliás, é decisiva para o desfecho do filme.

A Nova Ordem, com toda sua força e sua estrutura, capaz de rastrear uma fuga na velocidade da luz, foi desestabilizada por uma única mulher que escolheu agir contra suas previsões.

A ordem dominante tinha certeza que essa mulher, ameaçada, fugiria e tentaria se esconder até o fim de suas energias. Mas Holdo escolheu reunir o resto de suas forças e investir contra essa ordem opressora, uma coragem que muda a história toda.

A relevância de Holdo na história vem para coroar essa nova imagem de o que são as heroínas, como são as mulheres e deixa claro que uma mulher que subverte aquilo que se espera dela para fazer tudo aquilo que quer fazer é capaz de desestabilizar toda uma ordem cruel e violenta.

 

PS.:

Eu não acho que a Almirante Holdo é melhor que a Leia.

Eu não estou propondo uma disputa entre as personagens, apenas fazendo uma comparação dos símbolos que elas me trazem.

Eu não estou propondo que mulheres se matem por alguma causa, mas falando de romper em definitivo com uma ordem cruel e violenta.

Paz. (Mas nem tanta, para que não pareça subserviência).

Sobre a autora

Feminista por necessidade, desde criança encontrou na verbalização uma arma de resistência, escreve porque acredita nas palavras como fonte inesgotável de magia, na importância do debate e na força da pluralidade de vozes.

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