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Assombrosas tetas: seus peitos, direitos?

Publicado por:
Roberta Gresta
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Rodou o mundo uma poderosa foto da Deputada Manuela D’Ávila amamentando sua filha em uma sessão pública da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, enquanto falava ao microfone. Entre críticas e ataques, coube à própria Deputada fazer o diagnóstico preciso do incômodo tamanho causado por seu gesto: “a política é masculina e machista”.

É terrível que a amamentação em público continue a gerar polêmicas e agressões. É algo que confirma que o feminismo luta contra costumes velhíssimos, que fazem mulheres parecerem transgressoras apenas por, bem, estarem no mundo sendo mulheres. Mas há um desafio na nossa defesa do direito de amamentar onde for: não cair na armadilha de legitimar o comportamento de uma mulher com base em um código moral que recrimina outros comportamentos de outras mulheres.

Muitas pessoas que defenderam a atitude de Manuela o fizeram a partir de comparações com mulheres que mostram os seios no carnaval. “Se elas podem mostrar, por que a deputada não pode?” e “Indecente não é amamentar, indecente é sair nua no carnaval” eram argumentos que engrossavam a linha de defesa.

Vieram-me à mente duas músicas de Caetano Veloso: “Vaca Profana” e “Rapte-me, Camaleoa”. Duas músicas que enaltecem o poder feminino tomando por imagem os seios. A Vaca Profana, Deusa de assombrosas tetas, abençoa: derrama leite bom sobre caetanos e caretas, de Barcelona a um Belíssimo Horizonte. Já a Camaleoa hipnotiza: diante de peitos perfeitos que o olham assim, o menino se inclina pro lado do sim.

Maternais. Sedutores. Quais são os peitos direitos?

Manuela, que amamenta – é bom notar -, não pode ser de modo algum comparada com mulheres desnudas no carnaval. Simplesmente, porque Manuela não abaixa a blusa pra mostrar o corpo, atrair olhares. Ela a-ma-men-ta. Faz isso com a naturalidade que esse ato nunca deveria ter perdido. E faz isso, mais, com a brilhante capacidade de dividir sua atenção entre duas importantíssimas tarefas – argumentar no parlamento e nutrir sua filha. De quebra, dá razão a Adélia Prado que, licença poética pedida a Carlos Drummond de Andrade, explicou o mistério: “mulher é desdobrável”.

É, Manuela arrasa.

E o que resta às musas do Carnaval, que expõem seus corpos por deleite?

A resposta aqui é mais complexa. A nudez desfilada com certeza se apoia na objetificação do corpo feminino, tão arraigada na nossa cultura. Homens e mulheres aceitam como normal que, ao menos num período “x” que antecede o equinócio de outono, mulheres exponham sua nudez nas ruas e recebam comentários, elogiosos ou pejorativos, sobre seus “atributos físicos” (aliás, que expressão é essa?). No Carnaval, a musa dá entrevista de tapa-sexo e muito glitter. E faz isso com uma naturalidade que esse ato jamais poderia ter em uma sociedade que trata o corpo feminino como tabu, a ponto de ainda achar que mulher que usa saia curta pede estupro.

Caem então armadilha os comentários não criticam a cultura que normaliza a exploração da imagem de mulheres nuas no Carnaval; os comentários criticam as mulheres que ficam nuas.

Eis aí a crueldade, o perde-perde da condição feminina em uma sociedade patriarcal. Maternidade e sexualidade colocadas em opostos de bem e mal. Para enaltecer Manuela, torna-se preciso demonizar outras mulheres. Alguma mulher há de pagar por esse congênito pecado de ostentar seios. Se não é a mãe, que seja a musa. Com isso, o corpo feminino continua a ser avaliado, escrutinado, normatizado e atormentado por um olhar externo que se arvora em dizer para quê ele serve. A quem ele serve. Em que lugar ele serve.

Eu espero que avancemos na igualdade de gênero até o ponto em que se desnaturalize a objetificação do corpo da mulher. Mas, até lá, espero que mulheres que se comportam de acordo com esse parâmetro socialmente difundido não sejam, na quarta-feira de cinzas, camaleonicamente transformadas em Genis do Chico: boas de apanhar e cuspir, depois que serviram ao capricho de uma sociedade hipócrita.

Que se critique a cultura machista que se esbalda na nudez da mulher, e, não, as mulheres nuas.

Potentemente maternais. Sutilmente sedutores. Ou – que sejam – escancaradamente sedutores. Nenhuma mulher precisa ser sacralizada pra poder amamentar em público. Menos ainda ao custo do menosprezo a outras mulheres.

Sobre a autora

Cresceu ouvindo que era uma menina "cheia de opinião", teimosa, atrevida e inconformada. Um dia, entendeu que esses eram seus melhores atributos pra ser uma mulher capaz de fincar pé nesse mundo de homens. Por isso, escreve.

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