Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
“Cadê meu celular?
Eu vou ligar prum oito zero
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar Eu solto o cachorro
E, apontando pra você
Eu grito: péguix guix guix guix
Eu quero ver
Você pular, você correr
Na frente dos vizinhos
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim’’
(“Maria da Vila Matilde”, de Elza Soares)
Maria da Vila Matilde, belíssima música da Elza Soares, uma história de várias mulheres do mundo, mas graças a Deus na minha casa não, não na minha casa, mas de várias mulheres sim.
A minha família é super tradicional, sabe aquela família Doriana do comerciais, aquela tradicional que vimos na TV, na propaganda, aquela família padrão pra sociedade, pois essa é a minha família tão tradicional.
Sabe aquele marido, pai, herói, companheiro, aquele homem que morre pela família, que se for preciso até mata pela família, que faz e acontece pra esposa, ops, esposa, essa sim, ele deu muito amor carinho, foi aquele homem, honrou toda a criação que seus pais te deram, sabe esse homem, sempre sonhe com esse cara aqui em casa, mas fazer o quê se minha família é tradicional demais pra ter um homem assim.
Hoje centenas de mulheres vivem todo tipo de agressão, e acaba que não denunciam pois é normal e aquela velha frase “não dá nada pra eles’’ acaba que acham que é bobagem.
Minha mãe é uma delas, a primeira vez que ela foi agredida, minha mãe não denunciou, pois na cabeça dela era o certo deixar pra lá, ainda mais com 3 meninas pequenas e uma adolescente. Minha mãe fala que chorávamos muito querendo ele, ‘meu pai’, por isso ela voltou pra casa, ela, como tantas, nunca contou pra ninguém das agressões até hoje, dos tapas que ela levou, dele enforcar ela, dos pequenos chutes ao deitar na cama com ele, das agressões verbais que são tão terríveis quanto a físicas.
Minha mãe fez o que tanta mulher faz, deixou pra lá, “um dia ele muda e dará valor pra mim”, é assim o pensamento de várias mulheres.
MULHERES: 180 pra homens como esses, entrega o nome deles, explica o endereço de vocês, e na casa de vocês ele não entra mais. E, coloca na cabeça de vocês, é ruim com ele, sem ele é uma benção. Aconselho a vocês, assim como à minha mãe, a ser realmente feliz, lutar pela felicidade e recomeçar de novo a vida de uma forma melhor com paz.
“E quando tua mãe ligar
Eu capricho no esculacho
Digo que é mimado
Que é cheio de dengo
Mal acostumado
Tem nada no quengo
Deita, vira e dorme rapidinho
Você vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim
Mão, cheia de dedo
Dedo, cheio de unha suja
E pra cima de mim? Pra cima de muá? Jamé, mané!
Cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim…”
(“Maria da Vila Matilde”, de Elza Soares)
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* O lugar da fala acolhe a expressão de cada uma. As autoras do blog não interferem nas escolhas das colaboradoras quanto ao uso da linguagem, ao estilo de escrita, à gramática e à sintaxe. A revisão feita é meramente técnica, para correção de eventuais erros de digitação, todo o resto será tratado como opção de estilo da autora.
Jéssica Teixeira Leão é mulher negra resistência filha do rei.