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Eu estou cansada de ser feminista

Publicado por:
Paula Bernardelli
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Ser feminista exige esforço e vigilância diária. E isso cansa.

Cansa ter que falar tantas vezes e para tantas pessoas que o cenário de desigualdade que vivemos é estatístico e não só uma narrativa para embasar uma causa.

Cansa trazer números e argumentar que a experiência individual de uma pessoa ou até mesmo a experiência coletiva de um pequeno grupo no qual ela se insere não é um espaço amostral válido para negar, bom, a realidade de tantas outras pessoas.

É um desgaste enorme lidar com os pequenos machismos diários depois que a gente começa a se dar conta deles.
Até porque com muitos não dá pra lidar.
Porque cansa demais enfrentar tudo, e porque muitas vezes, por mais que as ideias gritem que uma situação é fundamentalmente errada, há uma realidade para além das ideias que vai me cobrar a conta de alguns enfrentamentos.

É caro pagar a conta dos enfrentamentos. É caro ganhar o rótulo da revoltada, da encrenqueira, da radical, da intolerante.
É caro e doloroso.

Mais doloroso ainda é receber todos os dias relatos e mais relatos das violências que atingem as amigas, conhecidas, companheiras. O cansaço de andar alerta pensando quem e quando será a próxima é imensurável.

É horrível perceber que crio estratégias diárias para que a próxima não seja eu, e com isso perceber que, ao mesmo tempo, estou agindo para garantir que a próxima seja outra, já que essas estratégias apenas me protegem, não mudam o fato de que alguém será a vítima.

Chega a ser profundamente irritante explicar porque é um retrocesso um discurso que inferioriza mulheres ser institucionalizado.

É um desgosto perceber que mesmo os homens que se sentem tão engajados na luta pela igualdade, muitas vezes, não são capazes de recuar em uma piada, um comentário, uma fantasia, coisas que eles mesmos classificam como “bobagens”, só porque eles não concordam que aquilo é ofensivo.

É cansativo explicar que ofensa não precisa de concordância pra ser ofensa.

É cansativo falar por aí do poder dos símbolos, da naturalização dos discursos, de como é importante a apropriação da linguagem.

Cansa demais ser feminista, e por isso as vezes é preciso fingir não ser. É preciso ignorar uma parte essencial daquilo que me forma pra conseguir ter momentos sociais pacíficos, pra conseguir ter convivência familiar, pra conseguir manter afetos antigos. E se ser feminista cansa, ignorar aquilo que se é cansa duas vezes mais.

Cansa questionar esses afetos antigos, aliás.

Cansa justificar meu feminismo, justificar porque agi de uma forma e não de outra, porque não me manifestei em um ou outro momento, porque não fui mais feminista, porque fui tão feminista assim.

Cansa demais e por isso eu posso dizer com convicção que estou cansada de ser feminista.

Já cansei várias e várias vezes antes também, é verdade.

Porque é profundamente cansativo e doloroso ser feminista em um mundo tão estruturalmente machista.

Mas ser feminista é a única forma que consigo ser. É a única forma que preciso ser, antes de todo o resto.

O feminismo é a única esperança de mudar alguma coisa e por isso, mas não só por isso, é preciso seguir.

Sigamos juntas.

Sobre a autora

Feminista por necessidade, desde criança encontrou na verbalização uma arma de resistência, escreve porque acredita nas palavras como fonte inesgotável de magia, na importância do debate e na força da pluralidade de vozes.

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