O domínio dos corpos
O estupro é a violência mais temida por mulheres. Quando andamos sozinhas nas ruas – ainda que se tente superar este medo – o pavor é da violação do próprio corpo. Quando em guerra, a principal “arma” é o estupro das mulheres. Nas ditaduras, inúmeros são os relatos de práticas de estupro contra as “rebeldes”. A “correção da orientação sexual” também tem como prática a violência sexual.
O que parece é que não podendo dominar nossas mentes, ferem nosso corpo, como se quisesse deixar uma marca para sempre. Uma marca que fica na mente e no imaginário. Várias vítimas afirmam que buscam entender os motivos para que tenha acontecido com elas. O que elas fizeram para que aquilo acontecesse. E o motivo é um só: por serem mulheres. Não importa se o corpo está coberto ou se está nu, a causa do estupro é o estuprador, respaldado por uma sociedade misógina, machista e patriarcal.
E como violência ainda mais profunda e simbólica, sempre que há uma denúncia de estupro é questionada a veracidade do relato, se foi de fato um crime, ou se houve um consentimento e depois um arrependimento. Desde as mais humildes até as mais instruídas, este é um crime que viola nossa essência de mulher. E aqui incluo várias formas de mulher. Transexuais que são estupradas por serem mulheres. Homossexuais estuprados por serem “afeminados”. Poderia falar em violência contra o feminino, mas infelizmente este termo restringe a diversidade de mulheres e feminilidades existentes.
Incrivelmente a dúvida sobre o cometimento do estupro não é um questionamento cedido para outros elementos da vida. Se recebemos uma mensagem no whatsapp, um vídeo, cremos como se fosse a verdade incontestável. Porém quando alguém nos relata que foi vítima de estupro ou que em determinado lugar este crime aconteceu sempre vêm questionamentos: mas será? Será que não quis e depois se arrependeu? Será que não é apenas uma denúncia falsa para atacar alguém?
Nesta semana, na Universidade Federal do Paraná houve uma comunicação sobre o estupro em um Centro Acadêmico, crime que teria sido motivado – se é que se pode utilizar este termo quando se fala da violabilidade do corpo – por questões políticas. A vítima não se apresentou, o fato foi noticiado por meio do mapa da violência. E é extremamente entendível que uma mulher, violentada e em choque não queira se apresentar. Porém, a primeira mensagem diante de uma carta de apoio da gestão do centro acadêmico foi o questionamento sobre a veracidade.
Na mesma semana, aconteceu o lançamento, na rede aberta de televisão, da minissérie “Assédio”, baseada nas denúncias de estupro praticadas por um médico quando as mulheres estavam se submetendo a processos de fertilidade. O relato das vítimas é de que muitos duvidaram do relato. E duvidam até hoje. Foram 37 denúncias, mas mesmo assim há questionamentos sobre os crimes denunciados. São mulheres de classe média e alta que foram violentadas durante procedimentos médicos. Elas relatam que demoraram a denunciar porque refletiam o que elas haviam feito para ocasionar a violência sexual.
O corpo. Dominado para o sexo. Violado para o sexo. Impedido de ser utilizado como protesto!
Feminista em construção. Mulher em busca de uma sociedade mais igualitária. Acredita que o céu é o limite para os sonhos. Apaixonada por política. Amante de boas discussões. Encantada, por necessidade, pela resistência.