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O que acontece quando seu filho não tem referência masculina

Publicado por:
Vivian Fiorio
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Uma das primeiras coisas que uma mãe ouve quando anuncia a chegada do seu filho é: parabéns!

No nosso caso, de duas mães anunciando a chegada da primeira filha por meio da adoção (a adoção não é o tema deste texto, mas fica a informação para voltarmos a falar disso depois rs), uma das primeiras coisas que ouvimos foi: mas como vai ser pra criança isso de crescer sem referência masculina?

Teve algumas variações também:

– E quando ela descobrir que todo mundo tem pai menos ela?

– E quando ela quiser jogar bola, quem vai ensinar? (sim, ouvimos)

Quando não eram perguntas, eram verdadeiras lições de formação da psique: uma criança não pode crescer sem um referencial masculino, houve um estudo em um presídio um tempo atrás que detectou que 90% (sic) dos presos não tinham convivido com o pai.

Vamos então concluir que nossos filhos, além de serem excluídos socialmente na escola porque todo mundo (sic²) tem pai menos eles, também não saberão jogar bola e não entenderão como é um homem. Ah, e serão presos!

Eu trabalho com redes sociais, leio bobagens no Facebook e Twitter o dia inteiro e já aprendi a me preservar de comentários desse tipo. Mas ainda me surpreende o quão tendenciosa e relapsa é a leitura que as pessoas fazem das informações que recebem.

Estamos na era da informação instantânea e algumas pessoas parecem não saber se aproveitar disso para melhorar seu nível de raciocínio.

A começar pela ideia do referencial masculino, que embora tenha embasamento teórico no referenciado estudo de Freud, há muito tempo já apresentou contrapontos suficientes para que os próprios psicanalistas redesenhassem o conceito.

Foi assim (e vem sendo) desde então, um quadro que se agravou quando chegou nosso segundo filho (também por meio da adoção) que é um menino.

Toda uma preocupação com o posicionamento de gênero da nossa família me deixou cismada e eu me pus a estudar a fim de entender a coisa a fundo. Mas nada além das teorias freudianas que já me esclarecem muito são capazes de trazer luz a este tema – a única coisa que resta é a confirmação CLARA de que essa “preocupação” de todos com o modelo familiar que possuímos não passa de machismo disfarçado de pseudo-intelectualidade.

Crianças precisam de pai?

Crianças precisam de pessoas que se responsabilizem por eles. Meus filhos foram abandonados por seus genitores cada um a seu modo e não me cabe agora julgar – talvez em outro post eu retome esse assunto.

Por hora, foi isto que aconteceu: as pessoas que geraram meus filhos não assumiram sua responsabilidade sobre a criação deles. Quem os fez fomos eu e minha companheira.

Diante desta realidade, nós somos DUAS MÃES.

Não uma mãe feminina e uma mãe masculina, uma que faz comida e a outra que lava o carro, uma que come e a outra que dá, uma que faz croché e a outra que troca o chuveiro. Não.

Nós somos duas MULHERES e, portanto, MÃES dos nossos dois filhos.

Mas se quisermos explorar a psicanálise, sim há uma teoria bastante revisitada sobre as determinadas funções materna e paterna que compõem o quadro familiar e que não necessariamente estão relacionadas ao gênero dos envolvidos.

E, quanto mais tentávamos nos encaixar nas ditas funções, mais percebíamos, eu e minha companheira, que por vezes manifestávamos uma função misturada com a outra. E tantas pessoas preocupadas e interessadas em saber quem fazia o quê na família realmente nos deixaram confusas…

Até que compreendemos que tudo se tratava da falta do homem, e isto incomoda demais a sociedade. Olhamos em volta e reparamos que a ideia da mãe idolatrada, não seria senão uma espécie de vazão de uma condescendência paterna.

E em comparação com o peso e relevância do pai na educação dos filhos e orientação para o futuro, o papel da mãe é enfraquecido vertiginosamente.

A mãe não é suficiente, ela não coloca limites, ela é puro amor e compreensão e isso faz com que a criança não tenha senso de ética e não aprenda a ser autônoma.

Essa leitura subliminar que nos atravessa a alma quando desprevenidas, é a mesma que fazem com as mães solteiras, por exemplo, que muitas vezes são MÃES e SOLTEIRAS pela falta de comprometimento de um pai.

Percebam que, nestes casos, em vez de culpabilizar o ausente, diminuem a relevância da presente.

Completamos, em 2017, 5 anos e meio de maternidade dupla e nossos filhos amam ter duas mães, não escondem na escola, não acham estranho não ter pai e, pasmem: cada um dos dois entende e se identifica com seu próprio gênero.

 

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* O lugar da fala acolhe a expressão de cada uma. As autoras do blog não interferem nas escolhas das colaboradoras quanto ao uso da linguagem, ao estilo de escrita, à gramática e à sintaxe. A revisão feita é meramente técnica, para correção de eventuais erros de digitação, todo o resto será tratado como opção de estilo da autora.

 

Sobre a autora

Mãe, jornalista e empresária, tudo ao mesmo tempo e com muita paixão. Desde que se tornou mãe, seu olhar para o mundo mudou e hoje ela procura trazer esse olhar para tudo o que faz na vida.

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