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Que seja doce, que seja leve

Publicado por:
Gabi Lima
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Eu passei a maior parte dos meus 26 anos (talvez uns 20) ouvindo que precisava emagrecer.
Em mais da metade desse tempo eu era uma criança e na década de 90 pouco se falava sobre a importância de uma vida saudável.  As pessoas em geral tinham pena da criança gordinha e desde muito pequena eu aprendi a identificar os olhares de piedade.

Ainda criança eu ouvia os médicos recomendando que eu comesse 3 biscoitos água e sal no lanche da escola e falando que eu precisava “perder peso”. Não se falava em ser saudável. Se pegava uma calculadora, dividia o peso pela altura, e abria a gaveta para passar uma dieta padrão com poucas calorias, desejavam sorte e “até daqui 30 dias, mais magra, hein mocinha?!Tenha força de vontade que você conseguirá.”

Os exames de sangue mostravam que estava tudo certo. Então o excesso de peso era só ‘sem vergonhice’ mesmo.
E foi assim que antes dos 15 anos conheci a dieta dos pontos, a da sopa, a água de berinjela e a sibutramina.
E falhei falhei falhei e falhei.

O emagrecimento nunca foi uma questão de saúde. Para ninguém. Porque nem os meus médicos nem as pessoas ao meu redor estavam preocupados com a saúde dos meus coleguinhas que comiam até mais e “mais errado” do que eu (a compulsão veio muito depois, já adulta).

Ainda criança eu tinha vergonha de usar biquíni, gostava de roupas largas nas quais eu pudesse me esconder. Eu comia escondido. Eu me achava mais feia que todas as meninas da sala. Eu cresci ouvindo que tinha um rosto lindo, “pena que era gordinha”.
Isso nunca me impediu de ser feliz e de ser amada pelos meus amigos e família. Mas me fez aprender que a minha condição “estar fora do padrão” sempre precederia a minha existência como ser humano. Eu precisaria me provar. Mostrar que “apesar” de gordinha eu podia ser legal, podia ser dedicada nos estudos, eu podia ser mais do que alguém que só comia.

Em 2011 eu tomei a decisão de fazer a cirurgia bariátrica. Estava cansada de uma vida de luta para ser alguém diferente de mim. Tinha certeza de que havia “perdido pra comida” e que eu era isso mesmo: alguém que não tinha controle alimentar. O médico me alertou: vc estará trocando uma doença por outras e por uma vida de suplementação e com consequências que não temos como prever. “Eu tenho consciência disso e não me importo. Vamos lá.”  “Vc tem os requisitos clínicos, meu consultório é aqui, mas quero que vc vá pra casa e pense um pouquinho. Amadureça essa ideia. Tenho pacientes que hj são atletas e outros que estou “re-operando”.”

Eu procurei outro médico. Este não conseguia compreender minhas necessidades. O novo médico ‘banbanban da cidade’ topou na hora. Fiz os exames pré-operatórios. Tudo certo, ou quase…Meu plano de saúde exigia 6 meses de acompanhamento multidisciplinar com psicólogo e nutricionista para liberar a cirurgia.
E eu,frustrada, comecei a me preparar. E a emagrecer. Na terapia pela primeira vez alguém me disse que o emagrecimento é um processo multifatorial. “Gabi, toda corda que estica demais arrebenta, vamos com calma, com pequenas mudanças concretas para sua vida e o emagrecimento virá naturalmente.” E veio. Perdi 40 quilos com muita saúde ao longo de 3 anos. Desisti da cirurgia. A academia que era um sacrifício virou minha terapia e se encaixou na minha rotina assim como ir ao trabalho, me alimentar, ir ao mercado.

Sigo querendo emagrecer mais alguns quilos. Está cada vez mais difícil. A ciência diz que isso é natural: há poucos ajustes a serem feitos na minha alimentação, o corpo entende o emagrecimento como privação e agora é o momento de ter paciência, pensar em estratégias e manter o foco. Mas quando comento isso com as pessoas surgem várias explicações : “ah, mas você não deve estar fazendo a dieta bem certinho”, “você devia comer menos e mais vezes ao longo do dia”, ” você devia comer mais e fazer menos refeições”, “esse alimento engorda”, “você devia correr”, “eu também era bem gordinha e emagreci 10 kg comendo isso isso e aquilo”, “quem quer emagrecer faz isso”, “quem quer emagrecer não deveria fazer aquilo”.

Eu faço acompanhamento com uma nutricionista há quase dois anos e atividade física 5 a 6 vezes por semana há 5 anos. Esses profissionais estudaram e continuam estudando e me passam orientações que eu sigo. E as pessoas seguem preocupadas comigo “nossa, sua nutricionista não cortou o glúten?”, “pra que todo esse carboidrato (uma banana) no café da manhã? “, “você come queijo?”, “o que sua nutricionista acha de jejum?”, “faça low carb”, “para emagrecer você deveria comer basicamente carne”, “você faz muita musculação”, “se você pudesse correr ia emagrecer”, “podia fazer aeróbico em jejum”. E eu sempre tento ser delicada nas respostas. Porque eu não precisaria fazer nenhuma dessas coisas…nem continuar emagrecendo se eu não quisesse.

Mas a verdade é que isso é muito chato e muito indelicado. Eu sou muito consciente das minhas escolhas alimentares, inclusive nos momentos específicos em que decido comer algo que não seja “saudável”.
Porque para mim isso é equilíbrio. Talvez isso atrase um pouco minha meta? Talvez. Ou talvez seja justamente o que me permite não desistir dela.

E todo esse textão para para dizer que assim como o emagrecimento é um processo multifatorial, o meu processo de emagrecimento envolve muitas questões pessoais. Então quando eu digo para você que este processo está sendo difícil neste momento, pode guardar as pedras e o argumento de que eu devo estar fazendo algo errado. (Ainda? Ou de novo?)

Eu confio em pessoas específicas que estudaram e estudam muito para me dizer isso, para sugerir mudanças, para dar orientações e apontar o caminho. E o principal critério na escolha desses profissionais foi ter percebido que eles compreenderam minha individualidade. Isso significa que deram as mãos e tornaram também deles o meu objetivo com muita transparência e uma condição: a de que não estamos dispostos a pagar qualquer preço para atingi-lo.

Emagrecer é difícil pra caramba. E sim, durante esse processo a pessoa vai eventualmente comer coisas não saudáveis, vai matar a academia, vai fazer coisas erradas achando que está fazendo certo, vai ter que ajustar as velas e seguir remando o barquinho dela.

Toda pessoa que passa por um grande processo de emagrecimento é obrigada a conviver com olhares desconfiados, além da certeza de alguns de que logo desistirá e, mais do que isso, com a crítica de que nunca estará fazendo o suficiente. Não seja essa pessoa.

Estenda a mão, busque compreendê-la como ser humano. O esteriótipo de que todo gordo é preguiçoso, não pode ser bonito, não tem saúde e principalmente de que ele deve, necessariamente, emagrecer é muito cruel.
Emagrecer é um processo complexo e multifatorial. E você, seu óleo de coco, sua chia, suas folhas de alface cultivadas pelos monges tibetanos, seu leite das cabras fitness da Suécia não fazem parte do processo de emagrecimento de nenhum gordinho.

Não incentive distúrbios alimentares sugerindo que uma pessoa faça mudanças radicais e sem acompanhamento.
E quanto a mim?
Sigo sem pressa e sem pausa.
Minha saúde está ótima, obrigada.
Be kind.

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* O lugar da fala acolhe a expressão de cada uma. As autoras do blog não interferem nas escolhas das colaboradoras quanto ao uso da linguagem, ao estilo de escrita, à gramática e à sintaxe. A revisão feita é meramente técnica, para correção de eventuais erros de digitação, todo o resto será tratado como opção de estilo da autora.

Sobre a autora

Intensa, sensível, sonhadora, idealista. Gosta muito de falar. E de escrever. Encontra abrigo nas palavras e conforto na externalização daquilo que sente. Acredita que o amor vence tudo e vive por aí querendo mudar o mundo.

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