A revolução do corpo, começando pela língua
Quando a gente decide fazer um blog, a gente lança uma voz no mundo virtual sem saber onde ela vai ecoar – na real, sem saber se ela vai ecoar. Por isso, faz parte da coisa dar uma espiada nas estatísticas que dizem pra gente se tem alguém lendo, o que tá lendo, e por qual caminho chegou aqui pertinho pra saber o que a gente tem pra dizer.
Hoje, percebi que uma boa parte dos nossos acessos tinha vindo de um outro blog, chamado Dupla-Face. Aí a vez foi minha de ir descobrir o que alguém, naquele cantinho do mundo virtual, tinha pra dizer. E foi assim que cheguei perto pra escutar a Gabriela Gomes.
O Dupla-Face é o blog da Gabriela onde ela “traduz”, de forma “verbal e não verbal”, um monte de coisa (lê aqui pra entender que trem lindo essa simbologia da dupla-face). Pois fazendo de volta o caminho de quem chegou n’a Fala a partir do Dupla-Face, abro o link e dou de cara com o título arrebatador de um post: ser grande e querer ser pequena.
Uou. Vi que ela ia falar pra mim. Porque não falava de peso, falava de tamanho. O que também nada tem a ver com altura. Tamanho. Em si, uma questão de auto-imagem a ser resolvida.
Como a Gabriela, eu sei que ser grande é algo sofrido num mundo que ensina meninas a ocuparem o menor espaço possível. Começa com o espaço que “devemos” ocupar dentro das roupas, pra dali sermos adestradas a ocupar pouco espaço no mundo. Pra uma mocinha delicada, até a voz tem que ocupar pouco espaço dentro da boca.
De tudo que li, uma parte bateu muito forte. Falei disso dias atrás, aliás. O eterno choque diante de fotos que forçam uma mulher grande a calcular sua proporção em relação às outras pessoas. Algo que a Gabriela traduziu assim:
o que acontece é que eu me assusto quando me vejo. me acho sempre, grande. “mas eu sou desse tamanho mesmo?” “é isso?” “as pessoas me veem assim?” é como se eu não me reconhecesse no tamanho que tenho. como se na verdade, o eu-gabriela, que mora aqui dentro fosse pequena e eu não desse conta desse corpão todo que tem aí fora. fico querendo ser pequena.
(Gabriela Gomes)
Segui lendo a Gabriela, e aí cheguei no ponto em que ela conta por que resolveu escrever sobre isso. E é justo lá que estava a razão pela qual várias pessoas tinham passado pelo Dupla Face e chegado n’a Fala. E a razão, olha aí, fez correr lágrimas de alegria:
o que me fez falar mesmo, a fagulha de tudo isso além das inúmeras conversas que tenho tido com amigas e em rodas de conversas com mulheres e bem, em vários textões, falas, tweets, poemas. desatamos a falar e seguiremos porque sim, é importante falar e quanto mais a gente fala mais a gente ouve porque as pessoas respondem. essa fagulha veio também de um texto que li na semana passada da Paula Bernardelli(obg, Marina Gonçalves) que falava sobre como as pessoas se sentirem confortáveis em seus próprios corpos também dependia muito da nossa linguagem e em como nós tratamos e verbalizamos este assunto “a revolução do corpo vai começar primeiramente pela língua”. e o que eu queria falar é que eu concordo MUITO com isso. eu sofro com isso, luto contra isso e sou agente desse problema. eu sempre acabo falando em algum momento pra alguma amiga que emagreceu, pra algum membro da famí[l]ia, pra alguém “nossa, tá magra, tá linda.” eu continuo disseminado aquilo que não quero pra mim e eu que lutei 30 anos pra me sentir bem. precisamos parar de relacionar beleza com magreza. e de incentivar em nós mesmas essas cenas diante do espelho. a vontade dolorosa e cruel de fritar na manteiga um pedaço do nosso corpo, a gordurinha de trás do braço e pedir 200g de culote pra viagem.
(Gabriela Gomes)
Que coisa linda, incrível, essa de mulheres dando coragem umas às outras pra romper silêncios que nos aprisionam em padrões estéticos cruéis.
____________
*Pra que não fique nenhuma dúvida: as estatísticas que recebemos não identificam os “alguéns”, as pessoas que acessam o blog. Apenas os caminhos – se vieram pelo facebook ou pelo google, por exemplo – e as páginas do blog que foram visitadas. Privacidade preservada!
Cresceu ouvindo que era uma menina "cheia de opinião", teimosa, atrevida e inconformada. Um dia, entendeu que esses eram seus melhores atributos pra ser uma mulher capaz de fincar pé nesse mundo de homens. Por isso, escreve.